Além de Brazão, outros personagens ligados à organização estão na mira do Ministério Público, do Tribunal de Contas do Estado e da Polícia Federal. ONG Contato é investigada por desvio de dinheiro público em diversas esferas do poder
A ONG Contato, que está sendo investigada por suspeita de desvio de dinheiro público, tem contratos em várias esferas do poder. Personagens ligados à organização, estão na mira do Ministério Público, do Tribunal de Contas do Estado e da Polícia Federal.
A sede da ONG que tem contratos milionários em todas as esferas do poder público fica em uma casa simples no Grajaú, na Zona Norte do Rio.
“Somos uma organização da sociedade civil, trabalhando pela assistência social e pela garantia de direitos, prioritariamente daquelas populações em situação de vulnerabilidade.”
É assim que a Contato se apresenta na sua página na internet. Mas investigações da Polícia Federal apontam que a organização social também faz desvio de recursos públicos.
O nome da ONG aparece no relatório da PF sobre os irmãos Domingos e Chiquinho Brazão, acusados de serem os mandantes dos assassinatos de Marielle Franco e Anderson Gomes.
No material apreendido com os irmãos Brazão, os agentes encontraram indícios de que o deputado federal Chiquinho Brazão e o ex-deputado Pedro Augusto usavam a ONG Contato para desviar dinheiro do orçamento federal por meio de emendas parlamentares.
Nas conversas sobre o repasse das emendas, quem negociava em nome de Chiquinho Brazão, segundo a PF, era o policial militar reformado, Robson Calixto Fonseca, o Peixe, assessor de Domingos Brazão.
Do outro lado, quem falava em nome da ONG era Raphael da Silva Gonçalves. Ele é marido da presidente da ONG Contato, Cintia Gonçalves Duarte. Raphael já foi denunciado pelo Ministério Público por fraude a licitações.
A PF suspeita que parte dos recursos repassados para a ONG voltava depois às mãos da família Brazão e do ex-deputado Pedro Augusto.
A indicação dessa ONG, segundo as investigações, teria sido do ex-presidente da Câmara, o deputado cassado, Eduardo Cunha.
Sede da ONG Contato, no Grajaú
Reprodução/TV Globo
Contratos com a prefeitura e o governo
Mas a ligação da ONG com a política não se limita aos deputados em Brasília. A Contato também tem contatos com outras esferas de governo, com o estado e com a Prefeitura do Rio.
Mas, depois de figurar nas investigações da PF, a ONG acaba de perder um novo contrato com o município do Rio. O prefeito Eduardo Paes decidiu cancelar uma licitação na Secretaria Municipal de Ação Comunitária do Rio vencida pela ONG Contato em maio desse ano.
A ONG receberia quase R$ 120 milhões durante 1 ano para a implementação de 200 núcleos de atendimento comunitário que deverão oferecer atividades esportivas, culturais e de capacitação de saúde preventiva em comunidades cariocas.
O contrato não chegou a ser assinado. A prefeitura informou, por nota, que a licitação foi suspensa “em função dos riscos levantados, a fim de que fosse realizada uma avaliação de integridade pública."
Essa não é a primeira vez que a organização social vence uma licitação para prestar serviços para o município.
A ONG tem 28 convênios e contratos ativos com a prefeitura que, ao todo, somam R$ 285 milhões. Ao longo dos anos, vários desses contratos foram prorrogados por meio de aditivos. Do total contratado, R$ 188 milhões já foram pagos.
A evolução dos pagamentos firmados entre a prefeitura e a ONG impressiona. Em 2013, eram apenas R$ 180 mil, na primeira gestão de Eduardo Paes. Em 2018, saltou para mais de R$ 29 milhões, quando o prefeito era Marcelo Crivella.
Em 2021, primeiro ano da segunda gestão de Eduardo Paes, a ONG foi contratada por R$ 165 milhões.
A maioria dos contratos vigentes é com a Secretaria da Pessoa com Deficiência. Em um centro de referência em Santa Cruz, a Contato é responsável pela contratação e gestão dos funcionários.
Quem busca atendimento no local diz que são poucos profissionais para muita demanda. Arthur Miranda tem síndrome do espectro autista e ficou 2 anos na fila até conseguir ser atendido.
"É muita criança especial na fila. São 2, 3 anos na fila", diz a mãe do menino, Luciana Miranda.
O supervisor do centro diz que ONG cuida apenas da gestão dos funcionários, mas negou falta de pessoal. E disse que o atendimento em grupo faz parte de um novo projeto da secretaria.
"Isso aí é um projeto novo do CRPD, Centro de Referência de Pessoas com Deficiência, que é um novo projeto de atendimento em grupo", falou Sílvio Renato.
Dezenas de emendas
Um levantamento do RJ2 revela que, desde 2019, a Contato já recebeu R$ 137 milhões em emendas. Foi agraciada por 33, direcionadas pelos deputados federais Chiquinho Brazão, Carlos Jordy, Hugo Leal, Jorge Braz, Laura Carneiro, Luiz Antônio Corrêa, Otoni de Paula e Sóstenes Cavalcante.
E pelos então deputados federais Clarissa Garotinho, João Carlos Soares Gurgel, Pedro Augusto, Ricardo da Karol, Roberto Sales e Wladimir Garotinho.
A ONG Contato também está envolvida nos escândalos do Ceperj — um esquema de contratação ilegal de funcionários. Entre 2021 e 2023, a Contato recebeu R$ 26 milhões do Ceperj no programa "Mais Acesso".
As denúncias de participação no esquema Ceperj não impediram novos contratos milionários com o governo do estado.
Em 2023, a ONG Contato fechou dois contratos com a Secretaria Intergeracional de Envelhecimento Saudável que somam mais de R$ 30 milhões.
O TCE concluiu que houve prejuízo aos cofres públicos e indícios de irregularidades num outro contrato com a ONG, firmado com a extinta Secretaria de Estado das Cidades para o projeto agente das cidades.
Era um programa para desenvolver política de saúde preventiva junto à rede municipal de ensino e lideranças comunitárias, para prevenção de doenças.
Foi assinado em 10 de março de 2020, quando as medidas de isolamento, devido à pandemia, já eram realidade.
Vinte milhões de reais, que correspondem a mais de 80% do valor do contrato, foram pagos na primeira de três parcelas previstas. E no mesmo dia em que o governo do estado suspendeu as aulas por decreto.
Segundo o TCE, esta antecipação de valores não foi justificada. Há suspeitas de direcionamento na contratação, superfaturamento e não realização dos serviços.
O TCE deu um prazo de 30 dias, a partir de 11 de março deste ano, para que a ONG apresentasse defesa ou devolvesse o dinheiro, em valores atualizados: R$ 26 milhões.
O governo do estado enviou um documento com explicações, que ainda está dentro do prazo de análise pelo Tribunal.
Mas o maior contrato da ONG foi firmado com a Secretaria Estado de Ambiente e Sustentabilidade.
O documento foi assinado no dia 30 de dezembro de 2021, sem licitação. Primeiro, por R$ 42 milhões. Depois de um reajuste, chegou a R$ 52 milhões. E ainda teve um termo aditivo que fez chegar a quase R$ 96 milhões, no total.
E não parou por aí. Agora, a ONG sob suspeita negocia uma renovação de contrato com a mesma secretaria. Se fechada, a organização deve embolsar mais R$ 60 milhões dos cofres do estado.
O outro lado
Prefeitura do Rio:
A Prefeitura do Rio disse que a Transparência está desatualizada e que apenas cinco dos 28 contratos estão ativos.
A Secretaria Municipal da Pessoa com Deficiência disse que refuta qualquer acusação de mau atendimento em suas unidades e que uma pesquisa de satisfação feita em maio com parentes de pacientes atendidos em Santa Cruz teve aprovação de 90% dos entrevistados. Disse ainda que eventuais reclamações podem ser feitas pela central 1746.
O prefeito Eduardo Paes reiterou os esclarecimentos enviados pela prefeitura.
Governo do Rio:
O governo do estado disse que o contrato da ONG com a Secretaria do Ambiente está em processo de encerramento e que um novo chamamento para substituição da instituição já está em curso. Já os contratos com a Secretaria de Juventude e Envelhecimento Saudável contemplam dois importantes projetos, que estão ativos.
O contrato com a Fundação Ceperj, segundo o governo, foi encerrado em 2022. A nota diz que todos os contratos com a ONG foram firmados seguindo os requisitos legais e que não houve aplicação de emendas parlamentares nos projetos.
ONG Contato:
A ONG Contato disse que todos os projetos que executa atualmente vieram de chamamentos públicos em que saiu vencedora.
A ONG disse que jamais executou projeto que contou com emenda do deputado Chiquinho Brazão e que solicitou uma audiência no Supremo Tribunal Federal.
A ONG Contato falou ainda que o processo no Tribunal de Contas do Estado (TCE) está em prazo para apresentar defesa e que será provado que não houve qualquer irregularidade.
Eduardo Cunha:
O deputado cassado Eduardo Cunha disse que não apresentou ONG nenhuma a ninguém e que nunca tratou de emenda.
Chiquinho Brazão:
A defesa de Chiquinho Brazão preferiu não comentar o assunto.
Hugo Leal:
O deputado Hugo Leal disse que o projeto "Promo-Ver" é uma singular rede esportiva que interliga todas as regiões do estado, promovendo diversidade e que a ação cumpriu as metas do Ministério da Educação.
Sóstenes Cavalcante:
O deputado Sóstenes Cavalcante disse que os projetos apoiados por seu mandato sempre foram realizados dentro das regras e que as emendas estão disponíveis no Portal da Transparência.
Wladimir Garotinho:
O ex-deputado federal e atual prefeito de Campos, Wladimir Garotinho (Progressistas) disse que o recurso da emenda foi destinado à Unirio e que nunca teve relação com a ONG Contato.
Clarissa Garotinho:
A ex-deputada Clarissa Garotinho disse que a emenda foi destinada à universidade para desenvolvimento de projetos esportivos que funcionam até hoje dentro das vilas olímpicas em Campos, em cooperação com a prefeitura da cidade.
Pedro Augusto:
O ex-deputado Pedro Augusto disse que as emendas destinadas por ele seguiram todos os procedimentos que a lei determina.
Raphael da Silva Gonçalves:
Raphael da Silva Gonçalves disse que nunca negociou qualquer contrato pela ONG e que não tem essa atribuição.
O RJ2 não conseguiu contato com o deputado Otoni de Paula. Os demais citados na reportagem não responderam à tentativa de contato.
Publicada por: RBSYS