Mohammed Yahya e Mohammad Reza GhulamiIda se surpreenderam com o festival e a recepção dos brasileiros. Ida ao evento foi gravada para documentário. Refugiados afegãos vão ao João Rock como parte de projeto de emancipação social
Ana Beatriz Fogaça
O jovem Mohammed Yahya, de apenas 20 anos, e Mohammad Reza Ghulami, com 32 anos, fazem parte do grupo de sete refugiados, todos homens, vindos do Afeganistão e acolhidos pela ONG Planeta de Todos, em Ribeirão Preto (SP), em março deste ano.
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Como parte do projeto de emancipação social, eles tiveram a oportunidade de se integrar culturalmente com a música e o público brasileiro na 21ª edição do festival João Rock.
A ida ao evento, em Ribeirão, foi gravada para um documentário que está sendo produzido e vai mostrar a adaptação deles no Brasil. O jovem Yahya está aprendendo português e inglês há apenas três meses e foi para o festival na expectativa de ver o show do músico e ex-vocalista do grupo Skank.
"É maravilhoso, é a minha primeira experiência, eu estou realmente muito feliz. É muito bom e diferente pra mim, a cultura brasileira é muito interessante. Os brasileiros são muito legais, gentis, eu amo o povo brasileiro. Eu gosto bastante do Samuel Rosa e quero ver o show".
Para Ghulami, não foi diferente. Na primeira vez em um festival de música e em um intensivo durante a semana para conhecer os artistas que se apresentaram, ele já elegeu o seu favorito e estava animado para vê-lo pessoalmente.
"Eu nunca participai de um festival como esse antes. Eu gosto da música brasileira, os brasileiros são realmente fantásticos e eles gostam muito de música. A cultura é totalmente diferente, no Afeganistão, antes do Talibã tinha alguns concertos, programas de TV, mas nós não tínhamos festival de música, e depois do Talibã a gente ficou sem nada".
Mohammed Yahya com Andre Naddeo, diretor da ONG Planeta de Todos no João Rock 2024
Ana Beatriz Fogaça
O diretor da ONG, Andre Naddeo, acompanhou os afegãos no festival e destaca a importância de eles se sentirem integrados socialmente e conseguirem desfrutar de um momento de diversão, mesmo longe dos familiares e do seu país de origem.
“Quando você está em um país novo, a música, a cultura também fazem parte desse leque. Não é só a questão de buscar trabalho, eu acho que a música brasileira tem um poder muito forte, somos muito ricos culturalmente e um festival como o João Rock ele é um prato cheio pra essa descoberta”.
Naddeo contou ao g1 que o projeto da ONG e o documentário têm o objetivo de mostrar que esses refugiados, quando inseridos na cultura e recebendo educação de língua e conceitos básicos de cidadania, podem ter um lugar no mercado e mudar a vida deles e da família.
O Afeganistão é o quinto país com mais pessoas em necessidade de proteção internacional no Brasil, atrás de Venezuela, Haiti, Cuba e Angola, segundo a Agência da Organização das Nações Unidas para Refugiados (Acnur).
A música e os brasileiros
A paixão pelo Brasil surgiu no mesmo momento em que Yahya pisou no aeroporto em São Paulo. O jovem compara a sensação de estar aqui com o que sentiu no Irã, primeiro lugar que foi após a retomada do poder pelo Talibã.
"Na verdade eu sinto que aqui é o meu país, as pessoas são amigáveis, são pessoas muito boas. No Irã eles não gostavam da gente".
Mohammed Yahya e Mohammad Reza Ghulami se divertem no João Rock 2024
Ana Beatriz Fogaça
Para Ghulami, a receptividade do povo brasileiro causou a mesma impressão, a sensação foi de pertencimento e de achar um lugar para recomeçar a vida e voltar a sorrir. Longe da família ele encontrou no Brasil um lugar para chamar de lar novamente.
"Eu vi as pessoas, são pessoas boas, toda vez me perguntam de onde eu sou e se preciso de ajuda, eles querem me ajudar. Quando eu cheguei eu realmente senti que aqui é realmente como o meu país e eu não sentia isso no Irã".
Medo de ser quem é
Mohammed Yahya esperava pelo passaporte humanitário brasileiro há um ano enquanto fazia faculdade de engenharia mecânica no Irã.
Ao conseguir o passaporte e vir para o Brasil, precisou ficar acampado no Aeroporto Internacional de Guarulhos até conseguir ser encaminhado para a ONG.
Ele, os pais e os quatro irmãos são da comunidade hazara, uma minoria perseguida e que sofre com o talibã no poder. O grupo representa entre 10% e 20% dos 38 milhões de afegãos, o jovem conta a realidade no Afeganistão.
“Lá a situação não era boa em razão das diferentes etnias, eu sou Hazara, é um tipo de etinia do afeganistão e há um genocídio contra pessoas hazara. Nós não somos livres e não temos segurança, não é uma situação normal”.
Mohammed Yahya, de apenas 20 anos, aproveita a primeira vez no festival João Rock
Ana Beatriz Fogaça
Segundo a Acnur, desde 2021, 13.133 vistos humanitários provisórios foram autorizados a afegãos no Brasil, com 10.985 efetivamente emitidos.
Destes, 5.052 obtiveram autorização para estabelecer residência, em sua maioria em cidades do estado de São Paulo como a própria capital, Guarulhos (SP) e Morungaba (SP).
No Brasil, o jovem faz aulas de português e inglês, além das demais atividades da ONG e luta para conseguir um trabalho e uma nova renda. O maior sonho dele ainda está a milhares de quilômetros de distância.
"É bem difícil, eu realmente sinto muita falta deles. Eu quero convidar minha família para vir para cá, eles estão no Afeganistão e a situação lá não é boa. Não é tão difícil pra mim porque eu tenho uma situação boa no Brasil, lá eu não tinha isso.”
O que ficou para trás
Com duas filhas e a esposa na Alemanha, por conta de oportunidade de acolhimento, Mohammad Reza Ghulami veio sozinho para o Brasil. Formado no curso de engenharia elétrica, ele fazia a segunda faculdade, dessa vez em economia, quando teve que deixar tudo para trás.
A ocupação do Talibã em 2021 e a retomada do poder político levou a população afegã para uma severa crise humanitária. O grupo fundamentalista e violento só conseguiu tomar o poder após a retirada do exército americano e isso dificultou ainda mais a vida de Ghulami.
"Eles sabiam quem trabalhava para o governo ou para o exército dos Estados Unidos e eles matavam essas pessoas. Eu trabalhava em uma das bases do exército americano e por isso eu tive que deixar o país".
Mohammad Reza Ghulami tira uma selfie no festival João Rock
Ana Beatriz Fogaça
Ele e a família fugiram para o Irã e aplicaram para o visto humanitário que demorou mais de um ano e meio para ser concedido. Ghulami estava trabalhando em uma fábrica quando recebeu o email da embaixada brasileira.
A família neste período estava no Paquistão em busca do passaporte e visto alemão. Ele decidiu então vir sozinho para o Brasil para tentar recomeçar a vida, mas a situação até ser acolhido foi difícil.
"Eu vivi cerca de 35 dias no aeroporto esperando por algum abrigo. A gente não tinha um banheiro para tomar banho, um lugar para lavar as roupas, nós vivíamos nas salas de esperas e corredores, era uma situação muito ruim".
Ghulami tem o sonho de conseguir trazer toda a sua família para o Brasil, pais, irmãos, sobrinhos e claro a mulher e as duas filhas. Uma parte continua no Afeganistão e a outra se espalhou por países vizinhos.
Oportunidade de recomeçar
Naddeo conta que a ONG funciona no Brasil, Colômbia, além da Grécia, onde nasceu em 2016. No total, já foram 162 jovens em situação de vulnerabilidade assistidos, em uma faixa etária de 18 e 30 anos.
O diretor explica que geralmente as organizações e o próprio governo em situações como a do Afeganistão dão prioridade para famílias, crianças e idosos. A ONG, no entanto, foca em outro público, no caso de Ribeirão Preto, para homens jovens.
"A gente costuma dizer que a gente faz uma segunda linha de acolhimento, que é a mais desafiadora. É um processo de médio a longo prazo no qual você realmente investe nas pessoas que querem ficar naquele país."
No acolhimento, os sete refugiados recebem a estrutura como cama, água quente e comida, que pode parecer elementos básicos, mas para eles é um privilégio. Além disso, eles têm aulas de inglês, português, funcionamento de impostos e cidadania.
Os acolhidos fazem um contrato inicial de seis meses de permanência no projeto, mas que pode ser renovado após avaliação feitas a cada dois meses com cada participante. A intenção é que eles consigam se emancipar social e financeiramente para seguir com a vida no Brasil.
Mohammad Reza Ghulami aproveitou para subir no balão no festival João Rock
Ana Beatriz Fogaça
*Sob supervisão de Helio Carvalho
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Publicada por: RBSYS